sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Entrevista de Lula ao Estadão- parte 1

Publico, como prometi, a primeira parte da entrevista do Presidente Lula ao Estadão, que não tem acesso liberado na internet, por uma miopia de quem acha que informação deste teor é “privada”. Não entenderam que , na internet, sempre se acha as coisas.
Nesta primera parte, ele fala da escolha de Dilma Roussef como candidata e das enchentes em São Paulo.
Daqui a pouco posto a segunda parte, onde ele conversa com os repórteres Vera Rosa, Tânia Monteiro, Rui Nogueira, João Bosco Rabello e Ricardo Gandour sobre economia e a disputa presidencial.
Leia a entrevista:

Na entrevista ao Estado,em agosto de 2007, perguntamos se o sr. já pensava em lançar uma mulher como candidata à sua sucessão. Sua resposta foi: ‘No momento em que eu disser isso, uma flecha estará apontada para esse nome, seja ele qual for.’ Naquela época, o sr. já tinha decidido que seria a ministra Dilma? Quando o sr.decidiu?
Quando aconteceram todos os problemas que levaram o companheiro José Dirceu a sair do governo, eu não tinha dúvida de que a Dilma tinha o perfil para assumir a Casa Civil e ajudar a governar o País. Na Casa Civil ela se transformou na grande coordenadora das políticas do governo.Foi quase uma coisa natural a indicação da Dilma. A dedicação, a capacidade de trabalho e de aprender com facilidade as coisas foram me convencendo que estava nascendo ali mais do que uma simples tecnocrata. Estava nascendo ali umapessoa com potencial político extraordinário, até porque a vida dela foi uma vida política importante.

Mas a escolha da ministra só ocorreu porque houve um “vazio” no PT,como disse o ex-ministro Tarso Genro, com os principais candidatos à sua cadeira dizimados pela crise do mensalão, não?
Não concordo.Nãotinha essa coisa de ‘principais candidatos’. Isso é coisa que alguém inventou. José Dirceu, Palocci… Na minha cabeça não tinha “principais candidatos”. Estou absolutamente convencido de que ela é hoje a pessoa mais preparada, tanto do ponto de vista de conhecimento do governo quanto da capacidade de gerenciamento do Brasil.

Naquele momentoem que sr. chamou a ministra de “mãe do PAC”, na Favela da Rocinha (Rio), ali não foi apresentada a vontade prévia para fazer de Dilma a candidata?
Se foi, foi sem querer. Eu iria lançar o PAC(Programa de Aceleração do Crescimento), na verdade, antes da eleição(de2006). Mas fui orientado a não utilizar o PAC em campanha porque a gente não precisaria dele para ganhar as eleições. Olha o otimismo que reinava no governo! E o PAC surgiu também pelo fato de que eu tinha muito medo do segundo mandato. Porquê? Quem me conhece há mais tempo sabe que eu nunca gostei de um segundo mandato. Eu sempre achei que o segundo mandato poderia ser um desastre. Então, eu ficava pensando: se no segundo mandato o presidente não tiver vontade, não tiver disposição, garra e ficar naquela mesmice que foi no primeiro mandato, vai ser uma coisa tão desagradável que é melhor que não tenha.

O sr.está enfrentando isso?
Não porque temos coisas para fazer ainda, de forma excepcional, e acho que o PAC foi a grande obra motivadora do segundo mandato.

O sr.não está desrespeitando a Lei Eleitoral, antecipando a campanha?
Não há nenhum desrespeito à Lei Eleitoral. Agora, o que as pessoas não podem é proibir que um presidente da República inaugure as obras que fez. Ora, qual é o papel da oposição? É criticar as coisas que nós não fizemos. Qual é o nosso papel? Mostrar coisas que nós fizemos e inaugurar.

Mas quem partilha dessa tese diz que o sr. praticamente pede votos para Dilma nas inaugurações…
Eu dizer que vou fazer meu sucessor é o mínimo que espero de mim. A grande obra de um governo é ele fazer seu sucessor. Não faz seu sucessor quem está pensando em voltarquatro anos depois. Aí prefere que ganhe o adversário, o que não é o meu caso.

Há quem diga que o sr. só escolheu a ministra Dilma,cristã nova no PT, com apenas nove anos de filiação ao partido,porque,se eleita,ela será fiel a seu criador. Isso deixaria a porta aberta para o sr. voltar em 2014.O sr. planeja concorrer novamente?
Olha, somente quem não conhece o comportamento das mulheres e somente quem não conhece a Dilma pode falar uma heresia dessas. Ninguém aceita ser vaca de presépio e muito menos eu iria escolher uma pessoa para ser vaca de presépio.Não faz parte da minha vida nem no PT nem na CUT. Eu já tive a graça de Deus de governar este país oito anos.Minha tese é a seguinte:rei morto,rei posto.A Dilma tem de criar o estilo dela, a cara dela e fazer as coisas dela. Ea mim cabe, como torcedor da arquibancada, ficar batendo palmas para os acertos dela.E torcendo para que dê certo e faça o melhor.Não existe essa hipótese .
O sr. não pensa mesmo em voltar à Presidência?

Não penso.Quem foi eleito presidente tem o direito legítimo de ser candidato à reeleição. Ponto pacífico. Essa é a prioridade número 1.

O sr. não vai defender a mudança dessa regra, de fim da reeleição com mandato de cincoanos?
Não vou porque quando quis defender ninguém quis. Eu fui defensor da ideia de cinco anos sem reeleição. Hoje, com a minha experiência de presidente, eu queria dizer uma coisa para vocês: ninguém, nenhum presidente da República, num mandato de quatro anos, concluirá uma única obra estruturante no País.

Então o sr. mudou de ideia…
Mudei de ideia. Veja quantotempo os tucanos estão governando SãoPaulo e o Rio Tietê continua do mesmo jeito. É draga dali, tira terra, põe terra.Eu lembro do entusiasmo do Jornal da Tarde quando, em 1982, o banco japonês ofereceu US$ 500 milhões para resolver aquilo. A verdade é que, para desgraça do povo de São Paulo, as enchentes continuam. Eu não culpo o Serra, não culpo o Kassab e nenhum governante. Eu acho que a chuva é demais. No meu apartamento, em São Bernardo, está caindo mais água dentro do que fora.Choveu tanto que vazou. Há dias o meu filho me ligou, às duas horas da manhã, e disse: “Pai, estou com dois baldes de água cheios.” Eu fui a São Paulo no dia do aniversário da cidade e disse que o governo federal está disposto a sentar com o governo do Estado, com o prefeito, e discutir uma saída para ver se consegue resolver o problema, que é gravíssimo. Não queremos ficar dizendo: “Ah, é meu adversário, deu enchente, que ótimo”. Quem está falando isso para vocês viveu muitas enchentes dentro de casa.

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