sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010


Nesta segunda parte da entrevista, Lula fala da história de que Dilma seria “mais esquerdista” , do seu papel pós eleitoral, da função do Estado na economia e no plano nacional de banda larga, sobre o qual deixa claro que será criada uma rede estatal e aberta a concorrência para a “ultima milha”. Daqui a pouco, posto a terceira parte.

Pelas diretrizes do programa do PT, um eventual governo Dilma Rousseff parece que será mais à esquerda que o seu
Eu ainda não vi o programa, eu sei que tem discussão. Mas conheço bem a Dilma e, como acho que ela deve imprimir o ritmo dela, se ela tomar uma decisão mais à esquerda do que eu, eu tenho que encarar com normalidade.E, se tomar uma posição mais à direita do que eu, tenho que encarar com normalidade. Tenho total confiança na Dilma, de que ela saberá fazer as coisas corretas para este país. Uma mulher que passou a vida que a Dilma passou – e é sem ranço, sem mágoa, sem preconceito – venceu o pior obstáculo.

A experiência de poder distanciou o sr.do pensamento mais utópico do PT,não?
Veja, o PT que chegou ao poder comigo, em 2002, não era mais o PT de 1980, de 1982. Não era porque houve a Carta ao Povo Brasileiro… Não é verdade. Num Congresso do PT aparecem 20 teses. Tem gosto para todo mundo. É que nem uma feira de produtos ideológicos. As pessoas compram o que querem e vendem o que querem. O PT, quando chegou à Presidência, tinha aprendido com dezenas de prefeituras, já tínhamos as experiências do governo do Acre, do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso do Sul… O PT que chegou ao governo foi o PT maduro. De vez em quando, acho que foi obra de Deus não permitir que eu ganhasse em 1989. Se eu chego em 1989 com a cabeça do jeito que eu pensava, ou eu tinha feito uma revolução no País ou tinha caído no dia seguinte. Acho que Deus disse assim: “Olha, baixinho, você vai perder várias eleições, mas, quando chegar, vai chegar sabendo o que é tango, samba, bolero.” O PCI italiano passou três décadas sendo o maior partido comunista do mundo ocidental, mas não passava de 30%. Eu não tinha vocação para isso. E onde eu fui encontrar(a solução)? Na Carta ao Povo Brasileiro e no Zé Alencar. Essa mistura de um sindicalista com um grande empresário e um documento que fosse factível e compreensível pela esquerda e pela direita, pelos ricos e pelos pobres, é que garantiu a minha chegada à Presidência.

Mesmo assim, o sr. teve de funcionar como fator moderador do seu governo em relação ao partido…
E vou continuar sendo. Eu não morri.

Mas a Dilma poderá fazer isso?
Ah,muito. Hipoteticamente,vocês acham que o PSTU ganhará eleição com o discurso dele? Vamos supor que ganhe, acham que governa? Não governa.

As diretrizes do PT, que pregam o fortalecimento do Estado na economia, não atrapalham?
Quero crer que a sabedoria do PT é tão grande que o partido não vai jogar fora a experiência acumulada de ter um governo aprovado por 72% na opinião pública depois de sete anos no poder. Isso é riqueza que nem o mais nervoso trotskista seria capaz de perder.

Os críticos do programa do PT dizem que o Estado precisa ter limites como empreendedor. Por que mais Estado na economia?
Vou fazer uma brincadeira: o único Estado forte que eu quero é o Estadão (risos). Não existe hipótese, na minha cabeça, de você ter um governo que vire um governo gerenciador. O governo tem dois papéis e a crise reforçou a descoberta deste papel. Ogoverno tem, de um lado, de ser o regulador e o fiscalizador; do outro lado, tem de ser o indutor, o provocador do investimento, que discute com o empresário e pergunta por que ele não investe em tal setor.

Por que é preciso ressuscitar empresas estatais para fazer programas como a universalização da banda larga? O governo toca o Luz Para Todos com uma política pública que contrata serviços junto às distribuidoras e não ressuscita a Eletrobrás.
Mas nós estamos ressuscitando a Eletrobrás. O Luz Para Todos só deu certo porque o Estado assumiu. As empresas privadas executam sob a supervisão do governo, que é quem paga.

Não pode fazer a mesma coisa com a banda larga?
Pode. Não temos nenhum problema com a empresa privada que cumpre as metas. Mas tem empresa privada que faz menos do que deveria. Então,eu quero, sim, criar uma megaempresa de energia no País. Quero empresa que seja multinacional, que tenha capacidade de assumir empréstimos lá fora, de fazer obras lá fora e fazer aqui dentro. Se a gente não tiver uma empresa que tenha cacife de dizer “se vocês não forem, eu vou”, a gente fica refém das manipulações das poucas empresas que querem disputar o mercado. Então, nós queremos uma Eletrobrás forte, para construir parceria com outras empresas. Não queremos ser donos de nada.

A banda larga precisa de uma Telebrás?
Se as empresas privadas que estão no mercado puderem oferecer banda larga de qualidade nos lugares mais longínquos, a preço acessível, por que não? Mas precisa de uma Telebrás? Depende.Ogoverno só vai conseguir fazer uma proposta para a sociedade se tiver um instrumento.Não quero uma nova Telebrás com 3 ou 4 mil funcionários.Quero uma empresa enxuta, que possa propor projetos para o governo. Nosso programa está quase fechado, mais uns 15 dias e posso dizer que tenho um programa de banda larga. Vou chamar todos e quero saber quem vai colocar a últimamilha ao preço mais baixo. Quem fizer, ganha; quem não fizer, tá fora. Para isso o Estado tem de ter capacidade de barganhar.

O sr. teme que o PSDB venha na campanha com o discurso de gastança, de inchaço da máquina, que o seu governo contratou 100mil novos servidores?
Vou dar um número, pode anotar aí: cargos comissionados no governo federal, para uma população de 191 milhões de habitantes. Por cada 100 mil habitantes, o governo tem 11 cargos comissionados. O governo de São Paulo tem 31 e a Prefeitura de São Paulo tem 45.

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